Tenho revisitado regularmente esse indicador, como o fiz agora, em que o Brasil voltou ao mapa da fome da ONU.
No meu doutorado em Ciências da Saúde/Medicina 2 em 2008 pela UFRN criamos um indicador de pobreza salarial dividindo os valores disponibilizados pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) do Salário Mínimo Nominal pelos valores do Salário Mínimo Necessário o que definiu a série histórica da (in)suficiência do Salário Mínimo Nominal ante o Salário Mínimo Necessário.
Isso nos permitiu ter bons padrões de análise para um período (a década de 1990 a 2000) de grande inflação. Esse indicador estável pôde, então, ser comparado com os valores da série histórica da Mortalidade Infantil para o Rio Grande do Norte no mesmo período estudado.
Por óbvio encontramos valores estatisticamente significantes que associaram os níveis mais elevados de pobreza com uma maior mortalidade infantil, o que também mostrou a qualidade do indicador, muito simples, que havíamos criado.
Tenho revisitado regularmente esse indicador, como o fiz agora, em que o Brasil voltou ao mapa da fome da ONU.
O gráfico abaixo mostra a evolução desse indicador de (in)suficiência salarial entre Janeiro de 2000 e Junho de 2022, com uma linha de tendência polinomial, (usada nesses casos em que as curvas variam com o tempo), com uma projeção de seis meses para a frente, (até dezembro de 2022) conforme os dados disponibilizados pelo DIEESE que podem ser consultados clicando aqui.
Os números mostram que a tendência do Salário Mínimo Nominal será de cobrir, em dezembro de 2022, valor inferior a irrisórios 16% do Salário Mínimo Necessário calculado pelo DIEESE, materializando 84% de Insuficiência Salarial a maior desde maio de 2003.
Podemos constatar também com base nesses gráficos que será necessária uma nova métrica para fazer com que o Salário Mínimo Nominal atinja efetivamente e em definitivo os valores do Salário Mínimo Necessário, o que pode ocorrer tanto pelo aumento real do Salário Mínimo Nominal como por um esforço nacional de assegurar o seu poder de compra, fazendo com que os produtos e serviços utilizados pelo DIEESE para medir o valor da necessidades básicas de uma família de quatro pessoas possam finalmente ser alcançados pelo Salário Mínimo.
De fato, o melhor valor da série histórica, alcançado em abril de 2012, foi de 26,7% de suficiência salarial, apenas cerca de ¼ do que deveria ser.
Essa análise objetiva não pode, no entanto, nos impedir de ver, como mostra o gráfico abaixo, que nos anos do governo Lula ocorreu um aumento importante e sustentado do poder de compra do Salário Mínimo Nominal que passou de 14,43% do Salário Mínimo Necessário em janeiro de 2003 para 23,4% em dezembro de 2011, o que corresponde a um aumento de cerca de 62% do seu poder de compra, ou 15,5% de aumento real por ano em cada um dos oito anos do governo Lula.
Vejamos:
Portanto, embora nunca tenha atingido níveis suficientes, é forçoso constatar que o Salário Mínimo Nominal teve naquele período uma tendência crescente, aliás a melhor da série histórica iniciada em janeiro de 2000.
Mas o que ocorre agora, nesses últimos anos, para que a tendência polinomial que mostramos no Gráfico 1 aponte para o pior dezembro em termos de poder de compra do Salário Mínimo Nominal desde maio de 2003?
Em janeiro de 2019, o primeiro mês do atual governo, o Salário Mínimo Nominal tinha um poder de compra de 25,4% do Salário Mínimo Necessário, patamar em que havia permanecido relativamente estável por mais de dez anos, como pode ser visto no Gráfico 1.
Em maio de 2022 esse percentual alcançou 18,54% de suficiência salarial, (isso significa, portanto, 81,46% de insuficiência do poder de compra perante o necessário) ou seja, o pior valor da série histórica desde abril de 2005.
A queda do poder de compra do Salário Mínimo Nominal frente ao Salário Mínimo Necessário foi, nesses três anos e meio de governo, de -27%, o que representa a pior queda da série histórica iniciada há 22 anos.
Para recuperar o valor do poder de compra de janeiro de 2019, o Salário Mínimo Nominal teria que crescer 36,8% que é o que separa 18,54% de junho de 2022 de 25,4% de janeiro de 2019.
O gráfico abaixo mostra essa evolução.
Os gráficos apresentados acima não representam curvas aleatórias. Elas decorrem de políticas econômicas definidas pelos diversos governos que atuaram ao longo do tempo.
O aumento sustentado do poder de compra do Salário Mínimo Nominal perante o Salário Mínimo Necessário na era Lula e a sua queda sustentada no governo atual são conexas às políticas econômicas de cada governo.
Essas tendências, inclusive por serem sustentadas ao longo do tempo, representam, nada mais, do que o propósito que cada governo perseguiu no que se refere ao poder de compra do Salário Mínimo.
Ion de Andrade é médico epidemiologista e professor e pesquisador da Escolas de Saúde Pública do RN, é membro da coordenação nacional do Br Cidades e da executiva nacional da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela democracia
Fonte: Jornal GGN