O desafio de acabar com a armadilha das metas inflacionárias, por Luis Nassif

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A dúvida é até onde irá o governo Lula para desmanchar a armadilha da política monetária.

Há uma certeza e duas alternativas para o Banco Central. A certeza é a de que a política monetária implementado desde o Plano Real significou a maior transferência de renda da história e o maior custo orçamentário do país. A ponto de não haver dúvida de que, se metade do custo de rolagem da dívida pública fosse aplicada em investimentos públicos, se teria hoje em dia um país desenvolvido.

A dúvida é sobre a maneira de combater esses vícios.

O problema maior é a concepção da política monetária, das metas inflacionárias e do foco exclusivo nas taxas longas de juros.

Cada vez que a inflação aumenta, o modelo indica uma alta maior ainda da taxa de juros, de modo a combater a alta de preços. No modo convencional, alta de juros serve para reduzir o consumo, via encarecimento do crédito e do financiamento. Portanto, só seria empregada em caso de aquecimento da demanda.

Por aqui, não há distinção. Aumenta a inflação – mesmo que por choques de oferta ou problemas sazonais – toca aumentar os juros. O impacto sobre o crédito ao consumidor é mínimo. Em um país em que o crédito tem piso de 35% ao ano, não é o aumento de 1 ou 2 pontos ao ano que irá reduzir a demanda por financiamento. Por outro lado, o impacto sobre o investimento é direto. Um ou dois pontos ao ano, em um prazo de 10 a 15 anos (de maturação do investimento) impacta fortemente o custo do financiamento.

Por que, então, o aumento de juros reduz a inflação? Pelo efeito sobre o câmbio. Aumentando os juros, aumenta o fluxo de dólares entrando no país, provocando uma apreciação do câmbio e o barateamento dos produtos comercializáveis – importados ou exportáveis.

Portanto, um dos preços fundamentais da economia – a taxa de câmbio – passa a ser utilizado como variável de ajuste para a inflação, uma loucura econômica imposta pelo ultraliberalismo.

No caso brasileiro, há mais que isso. A lógica do BC é aumentar a taxa de juros até que as taxas longas do mercado comecem a ceder. Segundo a superstição mercadológica, começando a ceder, os dólares voltam a entrar no país. Mas que dólares? Os dólares para aplicações financeiras, não para investimento em fábricas e aumento da produção.

O quadro é agravado pelo fato de que o BC deixa o mercado operar livremente, em movimentos especulativos tanto nas projeções de inflação quanto nas taxas longas de juros e no câmbio. Nos Estados Unidos, o FED opera as taxas, para impedir que especuladores elevem a curva futura de juros.

A partir daí, há dois caminhos. O caminho conservador seria obrigar o BC a atuar mais decididamente no câmbio e nos juros, reduzindo a volatilidade de ambos os ativos. E até substituir o sistema atual, de operações compromissadas, por depósitos remuneradas. Pelo sistema atual, sempre que há sobra de caixa nos bancos, eles adquirem títulos do BC, com o compromisso do BC de recomprá-los no dia seguinte, uma mera operação de controle da liquidez pressionando agudamente a dívida pública.

O segundo caminho seria romper de vez com a ortodoxia, controlando a taxa de câmbio – com o poder das reservas, com IOF ou com medidas administrativas -, recompondo estoques reguladores, atuando diretamente sobre setores que pressionem os preços, para garantir a normalização da oferta.

Em algum momento do futuro, será considerado um anátema utilizar o câmbio para combater a inflação, ou trabalhar com ficções estatísticas, como taxa de juros neutra, PIB potencial e outras, totalmente despregadas da realidade da produção.

A dúvida é até onde irá o governo Lula para desmanchar a armadilha da política monetária.

Fonte: Jornal GGN