Uma Suprema Corte submissa ao mercado, sem dúvida

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Ao reafirmar a submissão do BC aos banqueiros privados, a Suprema Corte submissa ao Mercado lança as bases para um processo de crescente desumanização da economia brasileira

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

A grande expectativa criada pelos movimentos indígenas em torno do julgamento do marco temporal foi frustrada pelo STF.  Após a leitura do relatório do RE 1017365 pelo Ministro Fachin, o presidente da Suprema Corte declarou o encerramento dos trabalhos e transferiu o julgamento do caso para a semana que vem. 

Concentrados em Brasília, os maiores interessados na questão do marco temporal foram simplesmente ignorados por Luiz Fux. Isso ocorreu no mesmo dia em que o STF rejeitou por ampla maioria a inconstitucionalidade da Lei que outorgou autonomia ao Banco Central (ADI 6696, relatada pelo Ministro Lewandowski). Resumirei aqui esse julgamento.

Em sua sustentação oral, o AGU opinou pela constitucionalidade da Lei que assegurou autonomia ao BC. Ao contrário de seu antecessor ele não usou nenhum argumento bíblico. O PGR defendeu a tese contrária, opinando pela inconstitucionalidade em virtude de uma violação formal dos princípios constitucionais que regem o processo legislativo naquele caso. 



Ao votar, o Ministro Lewandowski faz um longo histórico do debate econômico que precedeu e sucedeu a crise de 2008. Apesar disso, ele disse que não iria entrar no mérito da questão da autonomia do BC. Ele opinou pela inconstitucionalidade formal da Lei que deu autonomia ao Banco Central, pois ela foi gestada no Legislativo e votada primeiro no Senado. Segundo Lewandowski ocorreu uma clara violação da constitucional: Lei sobre essa matéria é de iniciativa do Presidente e votada primeiro na Câmara dos Deputados.

Em seguida votou o Ministro Luís Barroso. Juiz do Mercado na Suprema Corte, Barroso disse que a Lei é constitucional. Então ele começou uma longa lenga-lenga acerca da constituição não dizer aquilo que o texto efetivamente diz. Segundo ele, pouco importa o de quem foi o Projeto de Lei. O importante é que ele foi votado nas duas casas e promulgado pelo presidente da república. O voto dele pode ser resumido com a famosa frase de Deng Xiaoping  “Pouco importa a cor do gato, o importante é ele apanhar o rato”. Como já está nas mãos dos banqueiros privados o BC não deve mais retornar ao controle do Estado.
A autonomia do Mercado tem mais valor do que os princípios da constituição brasileira? A esmagadora maioria dos Ministros do STF disseram que sim, acompanhando o voto de Luís Barroso.

Dias Toffoli acompanhou o voto do Mercado. Neoliberalismo jurídico de raiz, sem delongas. Nunes Marques também rejeitou a tese da inconstitucionalidade formal levantada pelo Ministro Lewandowski. Mas o voto dele contém dois problemas graves.

O Ministro Nunes Marques tentou se aprofundar no tema econômico para refutar os argumentos do relator. Ao fazer isso ele se enrolou todo. Nunes Marques  afirmou que a independência do BC garante o controle a inflação. Ao que parece ele esqueceu que inflação já chegou a 10% e está começando a ficar totalmente descontrolada. Esse argumento, certo de acordo com a cartilha neoliberal, ficou parecendo tese amalucada por contrariar fatos notórios.

Um pouco depois, ele  sacou da algibeira o argumento da estabilidade de preços. Todavia, o botijão de gás já custa 120 reais e o litro de gasolina chegou a 7 reais, com previsão de alta. O aumento do preço do diesel se reflete nos produtos de consumo diário da população, como alimentos. Esse foi sem dúvida, outro argumento economicamente frágil levantado num momento inadequado. Nunes Marques mostrou que leu a cartilha neoliberal, mas ele provou que não é capaz de ler os principais jornais econômicos. 

Alexandre de Morais preferiu não enveredar pelos meandros da economia. Ele destacou os aspectos formais da Constituição acerca do processo legislativo, dando a entender que Lewandowski estava certo. Mas então, ele deu um overlap no texto constitucional outorgando ao Congresso de votar um Projeto de Lei diferente daquele que foi apresentado pelo presidente da república. Rigor teórico e formalismo jurídiso, ma non troppo.

Em certo momento, Alexandre de Morais afirmou que  a autonomia do BC não viola princípio da dignidade humana. Ao que parece ele esqueceu que o atual presidente do BC autônomo afirmou que diminuir as mortes por COVID-19 faria mal à economia. A indignidade desta afirmação me parece evidente e deveria ter levado à demissão de Roberto Campos Neto, mas isso não pode ser feito. O que ele dirá agora que a autonomia do BC foi garantida pelo STF?

Fachin matou no peito e vota com o Mercado. Ao contrário de seus colegas, ele fui breve e não usou argumentos econômicos e políticos ridículos ou desconectados da realidade. 

Rosa “data vênia” Weber é um sonífero. Sempre que ela começa a votar fico com sono. Eu já estava bocejando quando ouvi ela dizer que acompanharia o voto do Ministro Lewandowski. Ambos foram obviamente derrotados. 

Carmem Lúcia votou em seguida, ela assoprou e mordeu. Primeiro, essa Ministra elogiou Lewandowski por ter dado um voto excepcionalmente bem fundamentado. Em seguida, ela disse que votaria contra ele. Beijinho no rosto, chute na canela. Isso deve ser mineirice, suponho.

Quando Gilmar Mendes começa a falar ninguém sabe quando ele irá encerrar. Ele parece gostar do próprio tom de voz e nunca profere votos curtos. Pelo tempo que ele demorou para dizer que também manteria a submissão do Banco Central aos banqueiros privados calculei que o julgamento da questão referente ao marco temporal seria adiada. Infelizmente eu estava certo. 

Fux acompanhou a maioria. Sempre atento às velhacarias de alguns colegas da Corte, Lewandowski impediu que o voto do revisor consolidasse uma mudança importante no texto da constituição. Se prevalecesse como foi proferido, o voto de Luís Barroso na prática revogaria o dispositivo da constituição que outorga apenas ao presidente da república a prerrogativa de iniciar o processo legislativo em alguns casos. 

Luís Barroso parece estar se tornando um príncipe do charlatanismo constitucional. Sempre que vota sobre algum tema importante, ele tenta escrever a nova Constituição. Dessa vez a Suprema Corte impediu que isso acontecesse. Suponho que no futuro o Ministro Luís Barroso será lembrado por sua ambição reformista… que ajudou a colocar um genocida na presidência da república. A diferença entre ele e Bolsonaro é pequena. Ambos são autoritários e acreditam poder ditar uma Constituição diferente daquela que foi aprovada em 1988. Mas Barroso é ardiloso, melífluo e usa punhos de renda enquanto Bolsonaro é um especialista em dar coices.  

Hoje foi um dia glorioso para o Mercado. Enquanto a esquerda e a imprensa internacional davam destaque ao debate da questão do marco temporal, o STF atendeu os desejos dos banqueiros e fez de bobos os indígenas que se reuniram em Brasília para defender seus direitos. Nenhuma novidade. Essa é uma vetusta tradição brasileira com 521 anos. 

Mesmo sabendo que meu requerimento será indeferido, hoje fui ao STF pedir minha inclusão como “amicus curiae” dos índios. Seria desumano não se posicionar em relação à essa questão. No mais, só podemos lamentar a autonomia que o STF conferiu a um Banco Central que já se mostrou comprometido com o genocídio. 

Caso vença a eleição, Lula receberá de presente a herança maldita homologada em 26/08/2021 pelo STF. Ao julgar improcedente a ADI 6696 reafirmando a submissão do BC aos banqueiros privados, a Suprema Corte submissa ao Mercado lançou as bases para um processo de crescente desumanização da economia brasileira. Doravante, a riqueza dos ricos crescerá sobre as pilhas de cadáveres dos brasileiros pobres. Mesmo que consigam eleger um presidente ele ficará com as mãos atadas.  

Fonte: Jornal GGN