Alternância de Poder: Planejamentos versus Privatizações, por Fernando Nogueira da Costa

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A ideia de a permanência no poder, por si só, não ser prejudicial ao regime democrático, seja por parte da direita, seja por parte da esquerda, é inaceitável. Ela golpeia ao não aceitar o resultado eleitoral, quando a maioria do eleitorado impõe a vez da oposição.

Alternância de Poder: Planejamentos versus Privatizações

por Fernando Nogueira da Costa

Uma transição pacífica para transferência de poder é uma prática fundamental para governo democrático. A liderança desse governo tem a obrigação constitucional de entregar pacificamente o controle do governo à liderança da oposição recém-eleita.

A ideia de a permanência no poder, por si só, não ser prejudicial ao regime democrático, seja por parte da direita, seja por parte da esquerda, é inaceitável. Ela golpeia ao não aceitar o resultado eleitoral, quando a maioria do eleitorado impõe a vez da oposição.

O “jeitinho” de justificar o golpe pelas peculiaridades de cada país, para se aplicar ao regime democrático, é um subterfúgio, isto é, alegação ou pretexto usado por quem procura, de maneira ardilosa, esquivar-se do risco de não ser reeleito ou fazer o sucessor. Algumas pessoas, quando se apoderam, utilizam a mentira como pretexto para conseguir manter seus privilégios.

Qualquer evasiva, desculpa ou rodeio é inaceitável sob uma Constituição democrática. “Depende das circunstâncias”, “o importante é a democracia populista [pressuposta ser sob seu poder]”, “o voto deve ser impresso”, todos esses são argumentos antidemocráticos, portanto, devem ser desprezados – e punidos pelas urnas e pela lei.

A democracia com eleições periódicas tem mais condições, face a quaisquer alternativas existentes, de resultar em um projeto de bem-estar social em longo prazo, adequadamente moderado pela alternância de pontos de vista. Os conflitos de interesses, naturais entre seres humanos, são então decididos pelos votos da maioria.

Quanto mais elevada for a tolerância com a presença ativa da oposição, mais eficaz será a democracia. A preparação para se transformar em maioria, na próxima eleição, guia a oposição para um compromisso mais substancial com a sociedade e uma maior responsabilidade ao criticar, de maneira construtiva, isto é, oferecendo respostas alternativas aos problemas enfrentados de determinado jeito pelo governo passageiro.

A oposição brasileira, em uma Frente Ampla da esquerda ao centro, deve derrotar o projeto de perpetuação no poder da extrema-direita paramilitar. Com a confiança de sair vencedora e tomar posse após a eleição do próximo ano, em um governo de união nacional para reconstruir a necessária coesão da Nação sem a coerção violenta de ameaças à democracia brasileira, a oposição necessita de se preparar para enfrentar o retrocesso da economia brasileira: do 6º. maior PIB ao 12º. no ranking mundial.

Na fase nacional-desenvolvimentista (1940-1980), o Brasil obteve a maior taxa de crescimento médio anual (7%) no mundo, contra 2% aa na fase neoliberal (1980-2020). Embora tenha ocorrido um desenvolvimentismo de direita, durante a ditadura, após o golpe militar em 1964, os militares tinham pelo menos um projeto nacionalista.

Existe a retórica, seja a neoliberal à direita, seja a anarquista à esquerda, de importante é ser contra o Estado acima de tudo. A primeira se alia com milicianos sob a promessa de desmanche final do Estado desenvolvimentista para gerar boas oportunidades de compras de empresas estatais. A segunda defende só a democracia direta com descentralização do poder – e não do poder de escolher representantes entre candidatos –, mas do poder relacionado à autodeterminação de cada indivíduo em relação aos seus próximos. Ambas visões se confluem no individualismo.

A alternância de poder entre “monetaristas” e “estruturalistas”, “globalistas” e “nacionalistas”, “neoliberais” e “desenvolvimentistas”, cada qual mantendo a tradição de suas linhas ideológicas, levou à alternância entre planejamento e privatizações. Houve planejamento oficial, no Governo Federal, durante o Plano de Metas (anos 50), o II PND (anos 70) e o PAC (anos 2000).  Outros subperíodos (anos 60, anos 80 e 90) foram caracterizados por gestão voltada à tentativa de estabilização inflacionária e desalavancagem financeira, além da execução de Programa Nacional de Desestatização. A política econômica em curto prazo recebeu, então, a prioridade da equipe econômica.

Inserido à corrente nacional-desenvolvimentista, Juscelino Kubitschek trabalhava sob a perspectiva de uma ideologia de superação do subdesenvolvimento brasileiro através do “50 anos em 5 anos de mandato”. O rompimento como modelo agrário-exportador substituiria os latifundiários por uma burguesia urbana, emergente do processo de industrialização. Elegeu-se crescimento econômico em lugar de estabilidade da inflação.

Subdividido em setores, o Plano de Metas, após 1956, era marcado por investimentos em estradas, siderúrgicas, usinas hidrelétricas, marinha mercante e pela construção de Brasília. Baseava-se em 30 metas, divididas nos setores da energia (com papel ativo para a Petrobras e a Eletrobrás), do transporte, da alimentação, da indústria de base e da educação. No setor de comunicações, houve a criação da Embratel. A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) foi criada em 1959.

Com investimento direto estrangeiro, em 1959, no município de São Bernardo do Campo (SP), foi instalada a fábrica da Volkswagen, cujo primeiro modelo produzido foi a Kombi. Precedeu o fusca. A Chevrolet e a Ford eram apenas montadoras de peças importadas, passaram à fabricação de caminhões e iniciaram a produção de automóveis em 1968. A italiana Fiat instalou-se em Betim (MG) no ano 1973. Eram “quatro grandes”.

Por determinação constitucional, havia uma obrigação de todo novo governo lançar um Plano Nacional de Desenvolvimento assim como, após 1988, há determinação de um Plano Plurianual (PPA). O II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND 1975 -1979) foi instituído durante o governo do general Ernesto Geisel e tinha como finalidade estimular a produção de insumos básicos, bens de capital, alimentos e energia.

O II PND foi uma resposta à crise econômica, decorrente do choque do petróleo, em 1973, e do fim do chamado “milagre econômico brasileiro”, período de seis anos (1968-1973) consecutivos com taxas de crescimento superiores a 10% ao ano, quando se ocupou a capacidade produtiva ociosa instalada nos anos 50. O PAEG (1964-1967), apresentado pelo neoliberal Roberto Campos, tinha privilegiado o combate à inflação.

Na época, cerca de 80% do petróleo consumido no Brasil provinha de importações. Uma das diretrizes propostas pelo PND era a redução da dependência do petróleo árabe, através do investimento em pesquisa, prospecção, exploração e refinamento de petróleo, dentro do país, e o investimento em fontes alternativas de energia, como o Proálcool, criado em 1975, além da energia nuclear. Em outra frente, o plano buscou completar todo o ciclo produtivo industrial ao investir, pesadamente, na produção de insumos básicos e bens de capital, tornando a economia brasileira muito diversificada.

O sucesso do II PND dependia de grande volume financiamento em longo prazo. Uma parte foi conseguida via endividamento externo com petrodólares. Outra parte veio das linhas públicas de crédito, oferecidas pelo antigo BNDE. O choque exógeno de juros, em 1979, provocou a crise da dívida externa, agravada em moeda nacional com duas maxidesvalorizações cambiais. O regime militar deixou como herança maldita o regime de alta inflação, só superada em 1974 com o Plano Real manipulando a taxa de câmbio.

A descoberta de indícios de petróleo no pré-sal foi anunciada pela Petrobras no fim de 2006. Em setembro de 2008, a Petrobras extraiu pela primeira vez petróleo do pré-sal. O Brasil tornou-se autossuficiente e exportador de petróleo graças à empresa estatal.

O Plano Plurianual (PPA), no Brasil, previsto no artigo 165 da Constituição Federal e regulamentado pelo Decreto 2.829, de 29 de outubro de 1998, é plano de médio prazo. Estabelece as diretrizes, objetivos e metas a serem seguidos pelo Governo Federal, Estadual ou Municipal ao longo de um período de quatro anos.

O Plano Brasil de Todos (2004-2007) foi sucedido pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 28 de janeiro de 2007. Previa investimentos totais de R$ 503,9 bilhões até 2010, sendo sua prioridade o investimento em infraestrutura, em áreas como saneamento, habitação, transporte, energia e recursos hídricos.

O PAC 2 foi lançado em 29 de março de 2010. Previa recursos da ordem de R$ 1,59 trilhão em uma série de segmentos, tais como transportes, energia, cultura, meio ambiente, saúde, área social e habitação. Destacaram-se os investimentos na extração de petróleo, o maior programa habitacional da história brasileira (Minha Casa, Minha Vida), a expansão do Luz para Todos. Em potência instalada, a usina de Belo Monte, construída entre 2011 e 2019, é a quarta maior hidrelétrica do mundo.

A Teoria do Pêndulo sugere o ambiente politico oscilar entre dois polos opostos com periodicidade variável. No Brasil, depois de três mandatos (2003-2014) de governos social-desenvolvimentistas, preocupados com transferência de renda, tendo contrapartida em educação e mobilidade social, houve novo período de politicas conservadoras. Neste (2015-2022), metas básicas foram ajuste fiscal, desalavancagem financeira das empresas privadas e privatizações de empresas estatais.

Maré Rosa foi seguida, na América Latina da década de 2010, por uma Onda Conservadora, quando governos de direita chegaram ao poder na Argentina, Brasil e Chile, enquanto Venezuela e Nicarágua ainda passam por crises políticas. No entanto, há a emergência de nova Maré Rosa em 2018, após vitórias eleitorais de candidatos de esquerda e centro-esquerda no México, Panamá, Argentina, Equador e Peru.

Dessa feita, a partir de 2023, o legado pós-pandemia com retrocesso econômico, político e social será muito pior. Quadros técnicos experientes devem preparar, desde já, um planejamento econômico em longo prazo para governo social-desenvolvimentista.

Será necessário criar um ambiente institucional propício às inovações tecnológicas como internet das coisas (5G), home office com inovação disruptiva na vida metropolitana e suburbana, meios de pagamentos digitais. Para o Brasil ingressar de vez na economia digital, devemos antecipar o debate público sobre regulação do papel das big techs.

O setor privado, por si, já desenvolve inovações financeiras com tecnologia bancária, novos produtos com tecnologia corporativa, agtech na tecnologia do agronegócio, telemedicina com tecnologia aplicada à saúde, bem como tecnologia do e-commerce. Mas necessita do apoio estatal em infraestrutura, logística e energia. 

Serão novas perspectivas para investimentos privados em concessões, Parceria Público Privada (PPP) e desestatizações em áreas não prioritárias para atuação do governo federal. Para os cidadãos urbanos, haverá nova iluminação, mobilidade urbana, programa habitacional, concessões de acordo com o novo marco legal do saneamento.

Exige-se investimento em infraestrutura de telecomunicações, para a transformação digital com rede 5G, cadeia logística para e-commerce, concessões de rodovias, renovações das concessões de ferrovias, conclusões das licitações de portos e aeroportos. Na área de energia, terão atenção não só petróleo e gás, mas também energia elétrica e renovável, inclusive a eletrificação da indústria automobilística.

A estratégia social-desenvolvimentista adotará um planejamento descentralizado com o uso adequado de agências reguladoras estatais. O financiamento não ficará restrito aos bancos públicos federais, mas incorporará também debêntures de infraestrutura incentivadas e venture capital de origem privada nacional e estrangeira. Iluminará o futuro com Educação, Ciência e Tecnologia em lugar do negacionismo da Era de Trevas.


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor do livro digital “Conduzir para não ser Conduzido: Crítica à Ideia de Financeirização” (2021). Baixe em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

Fonte: Jornal GGn