Neuriberg Dias: A reforma administrativa e seu campo minado

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Fonte: DIAP

A Reforma Administrativa que volta ao debate na Câmara, mas sob nova ótica no governo Lula (PT) é diferente da proposta apresentada no governo anterior, que tramita como PEC 32/20. A atual gestão busca construir caminho alternativo que fortaleça e valorize o serviço público, respeite os servidores e melhore a qualidade da Administração estatal, sem abrir mão da eficiência.

A PEC 32/20 foi concebida durante o governo Bolsonaro, com a justificativa de tornar o Estado mais moderno e eficiente. Contudo, essa proposta se baseava em premissas equivocadas — como a suposta superioridade da gestão privada sobre a pública — e traz dispositivos que fragilizam o serviço público, como o fim da estabilidade, a flexibilização de salários e a ampliação da terceirização, dentre outras mudanças que até foram decididas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

A PEC 32 foi superada tanto pelo resultado das eleições de 2022 quanto pela conjuntura política e institucional atual, que exigiu ainda antes da posse do atual governo a aprovação da chamada PEC da Transição para garantir o funcionamento do Estado e a retomada da implementação de uma agenda de valorização salarial e a retomada do diálogo das mesas de negociação com o funcionalismo.

No governo Lula, há o entendimento de que o desafio não está em desestruturar o serviço público ou somente a lógica de redução de gastos com pessoal, mas sim em torná-lo mais capaz de responder às demandas da sociedade com efetividade.

Desde a transição governamental, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos tem implementado e defendido ajustes pontuais e técnicos, com foco na valorização dos servidores, no aprimoramento da gestão e na qualificação dos serviços prestados à população.

Com a PEC 32 praticamente descartada, a Câmara dos Deputados, por iniciativa do presidente Hugo Motta (Republicanos-PB), criou um GT (Grupo de Trabalho) para debater proposta alternativa de Reforma Administrativa.

O Grupo de Trabalho terá o prazo de 45 dias para concluir seus trabalhos, contados da publicação do Ato e prorrogáveis por Ato da Presidência. Nesse período poderão ser realizadas audiências públicas e reuniões com órgãos e entidades da sociedade civil organizada, bem como profissionais, juristas e autoridades que contribuam para o estudo do tema em exame no âmbito do grupo de trabalho.

O deputado o Pedro Paulo (PSD-RJ), será o coordenador do GT que terá ainda os seguintes integrantes: Dep. André Figueiredo (PDT-CE); Dep. Aureo Ribeiro (SOLIDARIEDADE-RJ); Dep. Capitão Augusto (PL/SP); Dep. Dr. Frederico (PRD-MG); Dep. Fausto Santos Jr. (UNIÃO-AM); Dep. Gilberto Abramo (REPUBLICANOS-MG); Dep. Julio Lopes (PP-RJ); Dep. Luiz Carlos Hauly (PODE-PR); Dep. Marcel van Hattem (NOVO-RS); Dep. Neto Carletto (AVANTE-BA); Dep. Pedro Campos (PSB-PE); Dep. Pedro Paulo (PSD-RJ); Dep. Pedro Uczai (PT-SC); e Dep. Talíria Petrone (PSOL-RJ).

A composição plural do grupo sugere esforço em construir texto com maior capacidade de consenso e mais aderente às diretrizes do atual governo, que defende Estado forte, democrático e indutor do desenvolvimento.

Apesar de a movimentação no Legislativo e a pressão de setores econômicos e políticos, que foi intensificada nos últimos meses, o governo federal ainda não se envolveu diretamente na articulação legislativa da nova proposta, porém o Ministério da Gestão e Inovação conta com o trabalho de uma câmara técnica voltada a elaborar proposta para a transformação do Estado.

A estratégia é de acompanhar os debates, oferecer subsídios técnicos por meio do Ministério da Gestão e aguardar a evolução política do tema antes de assumir posicionamento formal. Mas com posição enfática de contrariedade total à PEC 32 ou de se fazer uma reforma com a redução dos gastos públicos.

Nesse contexto com a criação do GT, a tramitação da nova proposta seguirá os trâmites regulares com a definição da composição, definido relator ou relatores, criado calendário, produção de relatórios, deliberação e apresentação dos resultados ao presidente da Câmara dos Deputados e ao Colégio de Líderes.

O desafio estará em equilibrar eficiência e valorização do servidor público, de modo que a reforma cumpra a função de modernizar o Estado sem desmantelar as bases institucionais. Nesse sentido, o governo tem feito entregas relevantes, conforme apresentado pelo secretário de Gestão de Pessoas, José Celso Cardoso Jr., no encontro Diálogos DIAP, edição 2025, sendo:

1) democracia: MNNP (Mesa Nacional de Negociação Permanente) (Guia 2024); Cdess Câmara Técnica para a Transformação do Estado (2023); Interação e Articulação Parlamentar e Federativa;

2) Diversidade: CPNU (Concurso Público Nacional Unificado) – decretos 11.722/23 e 12.090/24; Normas Gerais Concursos Públicos (Lei 14.965/24); Metas para Pessoas Negras em Cargos Comissionados (Decreto 11.443/23); Programa Federal de Ações Afirmativas (Decreto 11.785/23); Lei de Cotas para Indígenas na Funai (Lei 14.724/23); e Nova Lei de Cotas (Lei 14.723/23);

3) Cooperação: DFT (Dimensionamento da Força de Trabalho – 2023); PGD (Programa de Gestão e Desempenho) IN 24/23, 52/23 e 21/24;

4) Capacitação e progressão: Fortalecimento das Escolas de Governo (2023); Aperfeiçoamentos da PNDP (Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas) 2025; Diretrizes e Racionalização de Carreiras e Cargos (Portaria 5.127/24); Governança de Carreiras Transversais (centralização, supervisão, transversalização e simplificação); Transformação de cargos vagos e obsoletos em cargos efetivos, com atribuições atualizadas; aperfeiçoamentos do Sidec (Sistema de Desenvolvimento na Carreira (MP 1.286/24); e Regulamentação, Supervisão e Avaliação do Estágio Probatório (Decreto 12.374/25);

5) Equidade: Proposta para Regulamentação do Teto Remuneratório (2024); Reestruturação e Reajustes de Carreiras (Lei 14.673/23; MP 1.286/24); Recomposição parcial dos valores dos auxílios (alimentação, saúde, creche); e Garantias trabalhistas para trabalhadores terceirizados (Decreto 12.174/24);

6) Estabilidade: Aperfeiçoamentos do RJU (Lei 8.112/90); Programa de Enfrentamento ao Assédio e Discriminações (Decreto 12.122/24);

7) Liberdade de organização e autonomia de atuação sindical: GT da Regulamentação da Convenção OIT 151 (negociação coletiva e direito de greve);

8) Modernização normativa: Atualização e Consolidação Normativa para Racionalização e maior Segurança Jurídica da Legislação de Pessoal no Setor Público Federal a partir das 6 fases do Ciclo Laboral Revisão do Decreto-Lei 200/64, que deve ser concluído em 2025;

9) Transformação digital: GOV.BR e Carteira Digital Sipec (Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal) (Sigepe, Siape, SouGov) Siorg (Sistema de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal); RPPS: Nova Unidade Gestora e Fábrica de Digitalização de Assentamentos Funcionais; e

10) Evidencias e Transparência: Observatório de Pessoal da Administração Pública Federal Brasileira RGPE (Revista Gestão de Pessoas em Evidência) RGPA (Revista Gestão de Pessoas em Ação) Pesquisa Vozes do Serviço Público Atlas do Estado Brasileiro (Ipea).

E ainda foi apresentado inovações como a de instituir a Nova Lei Geral da Gestão Pública, com o objetivo de substituir o Decreto-Lei 200, de 1967, que ainda rege a organização da Administração Pública federal. A proposta visa atualizar e consolidar diretrizes e normas aplicáveis a ministérios, autarquias e fundações públicas, alinhando-as aos princípios constitucionais de eficiência, transparência e foco nos resultados.

A nova legislação está sendo formulada por comissão de especialistas criada em maio de 2023, pelo MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), sob a liderança da ministra Esther Dweck, em parceria com a AGU (Advocacia-Geral da União).

A comissão é presidida pela procuradora-geral da AGU, Clarice Calixto, e composta por servidores públicos, acadêmicos e estudiosos da gestão pública. O trabalho do grupo se apoia em estudos desenvolvidos por universidades e órgãos técnicos, como o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), e, também, em referências internacionais, especialmente modelos propostos pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que destacam práticas de governança moderna, gestão por desempenho e foco no cidadão.

A revisão normativa proposta está organizada em 4 eixos principais. O primeiro, estrutura organizacional, trata das funções e atividades de diferentes tipos de órgãos públicos, como ministérios, autarquias e empresas estatais, definindo com clareza seus papéis institucionais.

O segundo eixo, planejamento e orçamento, aborda os instrumentos de planejamento do governo, como o PPA (Plano Plurianual) e a LOA (Lei Orçamentária Anual), e sua articulação com as políticas públicas.

O terceiro eixo, gestão de políticas públicas, trata da formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas, com base em evidências e resultados. Por fim, o quarto eixo, instrumentos de apoio à gestão, abrange temas como governança, controle, prestação de contas, uso de dados e inovação no setor público.

Com a nova legislação, o governo pretende consolidar normas que hoje se encontram dispersas e, muitas vezes, desatualizadas. O texto proporcionará base jurídica mais sólida e coerente para a atuação do Estado, detalhando princípios de governança, diretrizes de inovação, mecanismos de transparência e regras claras para o planejamento e a avaliação das ações governamentais.

A iniciativa representa uma das principais apostas do governo atual para enterrar a votação da PEC 32 e de ruptura com a lógica anterior, pautada por cortes e desmonte do Estado, que foi experimentado por grande parcela da população e que ainda é defendida por uma parcela considerável da atual composição do Congresso Nacional.

Essa iniciativa representa uma das principais apostas do governo para enterrar de vez a PEC 32 e romper com a lógica de austeridade e desmonte estatal que marcou a proposta anterior. Em seu lugar, busca-se afirmar um modelo de Estado fortalecido, com maior capacidade de atuação e foco na entrega de serviços de qualidade à população. O sucesso dessa empreitada dependerá da habilidade política do governo em articular interesses diversos e da capacidade do Congresso Nacional de promover um debate maduro e comprometido com o futuro do serviço público brasileiro. Em mais esse campo minado, os servidores devem se manter atentos e unidos.

(*) Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap. É sócio-diretor da Contatos Assessoria Política