A Reforma Trabalhista de 2017, aprovada pela Lei 13.467, de 2017, trouxe significativas mudanças nas relações de trabalho no Brasil, impactando de forma substancial a atuação dos sindicatos.
Ítalo Bezerra*
Uma das principais modificações foi o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, o que resultou na drástica redução de recursos para essas entidades, comprometendo a capacidade de mobilização e negociação em prol dos trabalhadores. Essa reforma gerou profundas repercussões para a defesa dos direitos sociais no País.
Impacto da Reforma Trabalhista de 2017
Antes de a Reforma Trabalhista, o sindicalismo no Brasil era financiado em parte por contribuição sindical obrigatória que garantia recursos financeiros estáveis para as entidades. No entanto, com a nova legislação, essa contribuição passou a ser facultativa, resultando em queda vertiginosa na arrecadação das entidades sindicais, comprometendo a estrutura administrativa e a capacidade de representar os trabalhadores em negociações coletivas. Dados indicam que, de 2017 a 2021, a arrecadação sindical foi reduzida em 99%, tornando muitas entidades praticamente insolventes1.
Além disso, a reforma também introduziu o princípio da prevalência do negociado sobre o legislado, o que exigiu maior capacidade de negociação dos sindicatos para evitar a perda de direitos trabalhistas. No entanto, com sindicatos enfraquecidos pela falta de recursos, muitos trabalhadores se viram desprotegidos e à mercê de acordos coletivos menos favoráveis.
Outro ponto relevante para a atuação sindical foi o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a contribuição assistencial, modalidade de contribuição fixada em assembleias e comumente utilizada para reforçar o caixa dos sindicatos. Embora essa contribuição seja voluntária, essa é prática aceita pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), desde que implementada de forma legítima e sem abusos. No entanto, a decisão do STF em 2017 (ADI 5.794) reforçou que todas as contribuições, além de voluntárias, necessitam de autorização prévia e expressa dos não filiados. Essa decisão ampliou ainda mais o desafio de financiamento para os sindicatos, que passaram a enfrentar realidade de asfixia financeira.
Enfraquecimento dos sindicatos e o ciclo vicioso
O enfraquecimento das entidades sindicais após a reforma gerou efeito em cadeia. Com menos recursos e menor capacidade de atuação, os sindicatos perderam força para negociar em pé de igualdade com as empresas, resultando em acordos coletivos mais fracos e, consequentemente, em perda de direitos para os trabalhadores. Esse enfraquecimento também gerou ciclo vicioso: com sindicatos menos eficientes, os trabalhadores se desfiliam, o que, por sua vez, diminui ainda mais os recursos das entidades.
Além disso, os dados indicam que a taxa de cobertura das negociações coletivas — que mede o percentual de trabalhadores beneficiados por convenções coletivas — despencou após a reforma, levando o Brasil a cair 3 posições no ranking mundial de cobertura, de acordo com a OIT. Essa queda reflete o impacto negativo da reforma não apenas para os sindicatos, mas também para o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do País, vez que maior taxa de cobertura está correlacionada à melhor qualidade de vida para os trabalhadores2.
Desafios para a democracia sindical
O papel dos sindicatos, na construção de sociedade mais justa e equitativa é inegável. Historicamente, o movimento sindical no Brasil exerceu papel vital na luta pela democracia e pelos direitos sociais trabalhistas3. No entanto, a crise enfrentada pelas entidades após a Reforma Trabalhista, de 2017, é profunda e multifacetada. Além da falta de recursos, a ofensiva do Estado, com a edição de leis restritivas de direitos e jurisprudência antissindical, tem minado ainda mais a força dos sindicatos.
A desarticulação dos sindicatos representa ameaça não apenas para os direitos dos trabalhadores, mas também para a democracia no Brasil. O enfraquecimento das entidades sindicais compromete a negociação coletiva e impede que os trabalhadores tenham representação forte e eficaz. Sem sindicatos robustos, o equilíbrio de poder entre empregadores e empregados fica comprometido, o que resulta em maior vulnerabilidade dos trabalhadores.
Perspectivas futuras: modernização e reinvenção
Apesar dos desafios, há caminhos para que os sindicatos possam se reinventar e recuperar relevância. Uma dessas oportunidades está na modernização das entidades, utilizando tecnologias digitais para se aproximar dos trabalhadores, promover campanhas de filiação e facilitar a participação em assembleias e votações on-line. Além disso, a busca por novas formas de financiamento, como parcerias com instituições internacionais e a criação de programas de benefícios diretos para os trabalhadores, pode ajudar a recuperar a sustentabilidade financeira dos sindicatos.
No entanto, é fundamental que se pense em revisão das políticas implementadas pela reforma, de modo a reequilibrar a relação entre capital e trabalho. A autonomia coletiva de vontade, em cenário de fragilidade sindical, precisa ser repensada para garantir negociação coletiva autêntica e justa.
Contribuição assistencial, Tema 935 e mudança de entendimento do STF
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 935, decidiu que a contribuição assistencial pode ser cobrada de todos os trabalhadores, incluindo não sindicalizados, desde que seja garantido o direito de oposição.
Essa contribuição visa substituir o antigo imposto sindical, tornado facultativo — na prática, extinto — pela Reforma Trabalhista de 2017. A decisão gera debate, pois alguns argumentam que essa cria insegurança jurídica e pode comprometer a liberdade sindical, ao permitir a cobrança sem filiação, mesmo com a possibilidade de recusa.
Conclusão
A Reforma Trabalhista de 2017 impôs grandes desafios para os sindicatos no Brasil, fragilizando a capacidade de representar os trabalhadores e defender seus direitos. O enfraquecimento dessas entidades não impacta apenas as relações laborais, mas também a própria democracia, vez que os sindicatos são atores fundamentais no equilíbrio de poder entre capital e trabalho.
Para que os sindicatos recuperem relevância, será necessário modernizar as práticas, buscar novas formas de financiamento e fortalecer a representação dos trabalhadores. Apenas assim será possível garantir que o movimento sindical continue desempenhando papel crucial em defesa dos direitos sociais e na promoção de sociedade mais justa e equitativa.
A decisão do STF, embora não resolva totalmente a questão do financiamento sindical, é avanço significativo para amenizar as dificuldades financeiras das entidades. A medida pode tirar os sindicatos de situação crítica, mas a aplicação da contribuição assistencial deve ser feita com cautela, respeitando limites razoáveis e sem interferência dos empregadores na relação entre trabalhadores e sindicatos. Seria prudente que centrais e confederações se reunissem para definir diretrizes claras sobre a contribuição, preparando o terreno para futura regulamentação legislativa.
(*) Advogado fundador do escritório Ítalo Bezerra Advogados e assessor jurídico de diversas entidades sindicais.
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1 LIMA, Francisco Gérson Marques de. Sindicatos em números: reflexões pontuais sobre o sindicalismo brasileiro após 2017. Disponível em https://www.excolasocial.com.br/sindicatosem-numeros-reflexoes-apos-2017/ , publicado em 19.08.2022, acesso em 28/07/2024
2 Idem.
3 PEREIRA, R. J. M. B.; DIAS, A. C. C.; SOUZA, C. M.; VARANDAS, D. M. M.; SANTANA, M. E. N.. O ENFRAQUECIMENTO SINDICAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO E OS RISCOS À DEMOCRACIA. In: DELGADO, Maurício Godinho; PEREIRA, Ricardo Macedo de Britto; DIAS, Valéria de Oliveira; MENEZES, Aline Bessa de; BERNARDES, Simone Soares; RODRIGUES, Yuli Barros Monteiro. (Org.). Democracia, Sindicalismo e Justiça Social: Parâmetros Estruturais e Desafios no Século 21. 1ed.Salvador, BA: JusPODIVIM, 2022, v. 1, p. 467-494.
Fonte: DIAP