A Fome e o Marxismo Cultural, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

  • Compartilhe

O Brasil, com sua economia exportadora, só promete desindustrialização, precarização das relações de trabalho, mingua da previdência social e desemprego, tudo em nome do onipresente e inatacável mercado.

Uma das palavras mais usadas pelos olavistas, no seu desvario ideológico, foi Holodomor. Trata-se da grande fome na Ucrânia do início dos anos 1930. Ela foi atribuída à política anti-ucrânia de Stalin. Como tudo na História, são vários os elementos que formam um fato. Que Stalin queria neutralizar a herança gulak, que representava os senhores da terra, é verdade. Também é verdade que a fome foi usada como castigo para os que se recusavam a entregar os grãos para o Estado. Também é fato que houve uma queda de produtividade entre 1931 e 1933 e que somando tudo, pereceram entre três e dez milhões de pessoas, havendo registro de canibalismo. O que não se diz é o motivo para que os grãos fossem confiscados pelo Estado. Foi para trocar por máquinas e equipamentos importados dos Estados Unidos e restante da Europa, a fim de industrializar a União Soviética.

Algo semelhante aconteceu na China, durante o “Grande Salto para o futuro” dos anos 1950. Nesse caso, não foi qualquer tipo de matança intencional ou de punição a qualquer um dos povos que formavam a China de então. Tudo ocorreu porque Mao achava que, para tornar-se uma potência industrial, seria preciso produzir aço. Como o processo de redução do metal tem etapas insuperáveis, a fim de saltá-las Mao requisitou todo o ferro que se pudesse encontrar, desde um prego a um ferro de passar ou mesmo um portão. Nesse rol entraram todas as ferramentas agrícolas que pudessem ser de ferro. Enxadas e arados não foram poupados e a produção de alimentos reduziu-se a 25% do valor histórico. Estima-se que entre trinta e sessenta milhões de pessoas tenham morrido de inanição e de doenças causadas pela perda de resistência. Também na China houve canibalismo.

Mais o primeiro, menos o segundo fato, ambas catástrofes provocadas por governos totalitário são argumento para o anticomunismo que assolou, a partir das ideias de Olavo de Carvalho, nossa sociedade. Como a União Soviética tinha ruído e a China estava se abrindo para o mercado, integrando-se à economia mundial, restou dar um aspecto transcendental ao comunismo para sustentar o anticomunismo como arcabouço ideológico. Só que ambos execráveis eventos não tem a ver com a ideologia, mas com a necessidade de romper com as tradições. Exatamente da mesma forma, nosso governo atual, nas palavras do presidente, teria que destruir o que já existe para reconstruir um novo país.  Desmontaram-se as instituições eliminaram-se direitos sociais, feriu-se o meio ambiente, tudo em nome das tais reformas, cujo suporte ideológico de extinção do Estado veio da pretensa liberdade econômica.

No Brasil de depois do golpe, optou-se por voltar a ser uma economia exportadora, dessa vez, de grãos. Para exportar, virtualmente, sequestraram-se as colheitas, mandaram-se para fora nossos bois, de nossos frangos, reduziu-se a produção de alimentos. A tentativa de provocar um Holodomor brasileiro tem a finalidade de punir nosso povo por, um dia, pensar que poderia ir à Disney ou jantar no restaurante da moda, que poderia ter um smartphone sofisticado, ou usar uma roupa de grife, até então reservados a um seleto grupo. A diferença é que Stalin prometia uma potência industrial e Mao propagandeava um “Salto para o Futuro”. O Brasil, com sua economia exportadora, só promete desindustrialização, precarização das relações de trabalho, mingua da previdência social e desemprego, tudo em nome do onipresente e inatacável mercado.

Exatamente como fariam Stalin ou Mao tenta-se implantar um regime totalitário. O resultado não poderia ser diferente de uma fome crescente, numa aniquilação de seres humanos como sendo estorvo para um país dos sonhos de um só, talvez de uma classe que se diz elite.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

Fonte: Jornal GGN