Povo encurralado – Por Brunno Lemes de Melo

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Em meio ao desemprego, população brasileira tem que se submeter ao contexto oportunista das empresas de aplicativos dentro de uma relação de pseudo-empreendedorismo

Talvez o desemprego não seja algo novo no noticiário brasileiro, principalmente após a pandemia do coronavírus que agravou ainda mais a situação de um povo com um histórico de salários precários e de número expressivo de trabalhadores informais, sem mencionar os trabalhos análogos à escravidão, bem como a mão de obra infantil ainda
existente em solo brasileiro.

Embora absurda, a sociedade brasileira parece não se comover mais com a relação abusiva entre o mercado de trabalho e o trabalhador, vide casos recentes de reportados pela Globo em matéria no Fantástico de três mulheres vivendo em cárcere e forçadas a trabalhar. E, sem demagogia, temos que tratar a realidade como ela é: isso é escravidão.

Soma-se a estes fatos o aumento do desemprego no país, que saltou de 6,8% em meados de 2014 (pré-eleição de Dilma Rousseff no segundo mandato) para os incríveis 14,6%, atingindo 14 milhões de pessoas no Brasil, sendo que quando somado a outras métricas, segundo os dados de 2021 do IBGE, a população inativa ultrapassa 75 milhões de pessoas.

Corroborando com a diminuição da participação na economia, o brasileiro viu sua renda salarial diminuir para menos de um salário mínimo mensal, num cenário caótico sem quaisquer políticas públicas capazes de atender essa parcela da população (23,5% da população brasileira está vivendo sob insegurança alimentar moderada ou severa). A
margem para grandes negócios travestidos de oportunidades ganha espaços.

Sem entrar no mérito das empresas estrangeiras que já desempenham um papel extrativista em terras sul-americanas há décadas, o mercado da vez é o digital. Em recente matéria publicada no portal Diplomatique Brasil, a professora e doutora em sociologia Ana Cláudia Moreira Cardoso e a Mestre em Economia Lúcia Garcia discorrem sobre o cenário oportunista das empresas de aplicativos, atuantes num novo modelo de exploração capitalista onde se utiliza da quantidade massiva de dados para aumentar seus ganhos (embora o balanço de caixa seja negativo, não nos enganemos, há sim um ganho de capital), somado a outras estratégias cruéis.

Citemos dois grandes pontos que devemos nos atentar na dinâmica de funcionamento dessas empresas. 1 — Observe que estes modelos os quais captam indivíduos pertencentes ao dito exército de reserva de determinada região, criam uma relação de pseudo-empreendedorismo, com uma proposta de que o trabalhador é livre e tem a liberdade de se auto intitular “patrão”, gastam esforços para não darem nenhuma garantia trabalhista, chamam seus prestadores de serviços de parceiros, provocam caos no sistema de dinâmica social que se beneficia dessa grande parcela de sujeitos inativos que veem nesse sistema a única alternativa para ocupação no mercado de trabalho, são encurralados pela plataforma, forçadosa trabalhar sobre condições precárias e sem quaisquer direitos.

2 — A “gamificação” do trabalho, o avanço da tecnologia junto a novas dinâmicas sociais, nos colocaram em um estado de atingir metas diariamente. É sabido na literatura acadêmica sobre diversos funcionamentos do nosso cérebro e como ele se comporta em situações análogas ao jogo/game, despertamos ansiedade, estresse, endorfina e entre outras mudanças cognitivas. Claro que temos os benefícios da prática em nosso convívio, exercemos a participação em jogos desde a primeira infância e provavelmente exerceremos até o momento de nossa morte, mas considerando isso, precisamos ser responsáveis. O ambiente de trabalho não é um jogo e nós não precisamos pontuar a cada corrida ou entrega, muito menos bater algum recorde de horas trabalhadas ou o quilometro mais rápido percorrido.

Sendo pragmático, some apenas esses dois fatores com algo que ainda não citamos e carece de análises devido ao momento vigente, temos uma geração de crianças e adolescentes que terão um déficit imaginável na sua escolarização devido à pandemia do coronavírus (agravada pelo desastroso governo em suas políticas educacionais).

Um exercício ainda sem muitas respostas concretas. Podemos, porém, nos fazer algumas perguntas para ajudar a pensar no futuro próximo, se tivermos saúde, comida e emprego até lá.

*Brunno Lemes de Melo é Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Pesquisador do Programa de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Professor do Cursinho Popular Carolina Maria de Jesus do Instituto Federal de São Paulo (IFSP)

Fonte: Revista Fórum