Inflação: Com renda menor, as famílias estão pagando mais caro pelos mesmos produtos, diz economista

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À Fórum, a pesquisadora Juliane Furno também afirmou que o resultado do IPCA para o mês de agosto foi puxado, principalmente, pela atual política de preços da Petrobras

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta quinta-feira o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é considerado a inflação oficial do país e ficou em 0,87% em agosto, sendo a maior taxa para o mês desde 2000, apesar de levemente abaixo dos 0,96% registrados em julho.

No ano, o IPCA acumula alta de 5,67% e, nos últimos 12 meses, de 9,68%, acima dos 8,99% registrados nos 12 meses imediatamente anteriores. Em agosto de 2020, a variação mensal foi de 0,24%.

Oito dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados registram alta. A maior variação (1,46%) e o maior impacto (0,31% p.p.) vieram dos transportes, seguido do setor de alimentação e bebidas (1,39%), que acelerou em relação ao mês anterior (0,60%).

A alta do combustível produz um efeito cascata torando mais cara a gasolina (2,80%), etanol (4,50%), gás veicular (2,06%) e óleo diesel (1,79%). Por sua vez, a alimentação no domicílio passou de 0,78% em julho para 1,63%. Essa alta foi puxada pela batata-inglesa (19,91%), café moído (7,51%), frango em pedaços (4,47%), frutas (3,90%) e carnes (0,63%).

Para analisar o significado desses números, a Fórum conversou com a economista Juliane Furno (Unicamp). A pesquisadora explica que “o que pressionou o IPCA e faz a inflação agregada dos últimos 12 meses praticamente chegar aos dois dígitos, foi o preço da gasolina, do etanol, do gás de cozinha, da energia elétrica e da carne. Fora a carne, esses são preços administrados, sofrem influência da desvalorização cambial, mas, sobretudo, responde a critérios políticos, especialmente no caso da Petrobrás que deliberadamente adota uma política sem precedentes para um país produtor e refinador de petróleo em moeda nacional”.

Além disso, a economista destaca o fato de “a renda das pessoas está mais contraída pela necessidade de mais dinheiro para comprar uma mesma mercadoria, mas porque a renda das pessoas já está menor”.

Fórum – Primeiro gostaria de saber qual é a sua análise sobre o IPCA para a agosto.

Juliane Furno – A inflação não tem cedido mesmo com o governo aplicando doses cavalares do “remédio” que é o controle das contas públicas e o aumento da taxa básica de juros, justamente porque o motivo da inflação não está no excesso de demanda pressionando a oferta, e sim nos custos, especialmente nos itens que tem seu preço ditado não pelas leis de mercado, os chamados “preços livres”, mas sim os “preço administrados” que são aqueles controlados pelo governo federal.

O que pressionou o IPCA e faz a inflação agregada dos últimos 12 meses praticamente chegar aos dois dígitos, foi o preço da gasolina, do etanol, do gás de cozinha, da energia elétrica e da carne. Fora a carne, esses são preços administrados, sofrem influência da desvalorização cambial, mas, sobretudo, responde a critérios políticos, especialmente no caso da Petrobrás que deliberadamente adota uma política sem precedentes para um país produtor e refinador de petróleo em moeda nacional.

Fórum – Hoje o Dieese também divulgou levantamento que mostra que a cesta básica já consome até 65% do salário mínimo. Há uma relação entre esses dois dados?

Juliane Furno – Quando a gente olha a inflação não pelo IPCA, mas pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que é o índice que mensura a inflação para famílias que ganham entre 1 e 5 salários mínimos, a inflação já passou dos 10% no acumulado dos últimos 12 meses. Isso porque, embora já estejamos verificando alguma inflação nos serviços, o fenômeno do aumento de preços ainda está praticamente concentrado em bens, principalmente e alimentos. Como as famílias mais pobres consomem, proporcionalmente, muito mais bens do que serviços, isso quer dizer que a inflação localizada nesse setor penaliza os mais pobres.

O combo da desgraça se completa quando verificamos que não somente a renda das pessoas está mais contraída pela necessidade de mais dinheiro para comprar uma mesma mercadoria, mas porque a renda das pessoas já está menor. O rendimento médio habitualmente recebido pelos trabalhadores brasileiros – segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) – no mês de junho de 2021 ficou -6.6% menor do que o recebido em junho de 2020. Ou seja, já houve uma redução da massa salarial, que se aprofunda com a inflação e com o fim da política de valorização do salário mínimo.

Fórum – Para você, quais políticas econômicas seriam necessárias para reverter tal quadro?

Juliane Furno – Para resolver esse cenário, na minha avaliação, o governo tem que modificar a política de precificação das empresas estatais, freando o aumento do lucro em um período em que o lucro das empresas distribuídos aos acionistas é justamente o motivo que aprofunda a pobreza do povo. Em segundo lugar, uma vez que a política cambial é mais difícil de manejar internamente, deixar o câmbio ficar um pouco mais apreciado e corrigir a penalização dos mais pobres com mais política fiscal, ou seja, garantir que os preços vinculados ao dólar subam, mas que os salários e a renda nominal também aumente, via políticas de transferência de renda e de ganho real no salário mínimo; Regular a exportação de bens de primeira necessidade, especialmente arroz, carne, trigo, soja (para óleo) para garantir o abastecimento nacional em primeiro lugar e frear o aumento do preço; retomar a política de segurança e soberania alimentar e os estoques reguladores; estancar os aumentos constantes na taxa de juros porque eles não estão sendo capazes de frear o avanço da inflação e, por outro lado, comprometem as condições de crescimento econômico no futuro.

Fonte: Revista Fórum