Daniel Cara: Esquerda precisa acelerar articulação ao Senado para combater extrema direita

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Ao Fórum Onze e Meia, professor analisou cenário político para as próximas eleições ao Parlamento e fez alertas ao campo progressista

O professor e cientista político Daniel Cara esteve no Fórum Onze e Meia desta terça-feira (15) para analisar o cenário que se constrói para as disputas eleitorais ao Senado em 2026. O especialista falou sobre a urgência de uma maior unificação do campo progressista para eleições em determinados estados onde a direita possui uma força muito maior do que a esquerda. 

O cientista avaliou que o panorama é muito difícil para a esquerda, ainda mais porque a direita e a extrema direita já priorizam as eleições para o Senado e estão firmando acordos para o próximo ano, enquanto o campo progressista ainda não se articulou efetivamente. 

“O cenário é bastante difícil em relação ao Senado, exatamente pelo fato de que a extrema direita e a direita priorizam essa eleição. E há alguns acordos que estão sendo firmados entre esses dois campos para estrangular o espaço da centro-esquerda e da esquerda. A extrema direita tem tido o projeto de eleger um senador em lugares que ela não consegue eleger dois. Eleger um senador e trazer um candidato de direita para concorrência no Senado”, afirmou Cara. 

Nesse sentido, o professor avaliou que “a aposta da extrema direita pode ser surpreendente para o nosso campo”. “Pode ser uma aposta de priorizar a eleição para o Parlamento ao invés da eleição para presidência diante do risco iminente de prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro“, acrescentou.https://d-31857032953974472978.ampproject.net/2503242227001/frame.html

Por isso, Daniel Cara apontou que o cenário que se apresenta para o futuro é “muito difícil” para que a esquerda tenha um bom desempenho nas eleições do Parlamento. Em relação à eleição presidencial, o professor ressalta que Lula ainda será um “candidato muito difícil de se derrotar”. Diante disso, o professor defendeu que a extrema direita vai tentar “constituir uma base muito forte” para atacar de forma sólida em 2030 e “causar derrotas avassaladoras no Congresso Nacional, especialmente no Senado, entre 2027 e 2030”. “Então, o cenário é preocupante e a gente precisa tentar reverter essa tendência. Está ficando tarde, viu?”, alertou. 

“Eu tenho que ser sincero porque como a esquerda e centro-esquerda não estão discutindo o Parlamento neste momento, está ficando tarde a articulação explícita”, acrescentou o professor, que destacou que, enquanto isso, Bolsonaro falou sobre o assunto em seus atos no Rio de Janeiro e em São Paulo. 

Formação de lideranças na esquerda

Questionado sobre por que o debate das eleições para o Senado ainda não foi articulado entre a esquerda e se isso seria por falta de lideranças, Cara afirmou que “liderança se cria”, mas que é preciso ter uma “generosidade enorme de campo e uma visão estratégica”

O professor avaliou que “indiscutivelmente, em termos de liderança, Bolsonaro é uma liderança da extrema direita e da direita”. “Ele articula, ele não é uma pessoa sozinha, ele tem todo um uma equipe em torno dele que formula essas estratégias. Por exemplo, tem o Valdemar Costa Neto, que a gente pode discutir extensamente sobre o histórico do Valdemar Costa Neto, mas dizer que ele não é uma uma pessoa estratégica é um equívoco. Ele é uma pessoa estratégica. Tem o Gilberto Kassab, o Tarcísio aqui em São Paulo”, analisou.

No entanto, na esquerda, falta “coesão”, de acordo com o professor. “Acho que esse é o ponto principal. Falta um sentido de generosidade que seja um sentido relacionado a uma reflexão sobre o campo”, afirmou. Cara considerou, porém, que há também uma maior dificuldade devido à esquerda estar “asfixiada” pelo cenário nacional.

Enquanto a extrema direita e a direita se dividem em diversas lideranças, o campo progressista tem somente a figura do presidente Lula, de acordo com a avaliação de Cara. Ele analisou que Lula “é o melhor presidente para esse momento global que nós estamos vivendo”. “O Brasil não teria ninguém melhor do que o Lula para fazer esse enfrentamento, para saber lidar com esse cenário”, afirmou. O professor considerou, porém, que o governo tem cometido “erros graves” em algumas áreas, como Educação e Economia. 

“São questões que vão ter que ser corrigidas e o cenário internacional pode ser positivo. Agora, pensar estrategicamente, é muito difícil para o nosso campo, infelizmente. Essa é uma questão que tem que ser resolvida”, avaliou. 

Cara cita como exemplo a unificação da esquerda que ocorreu em torno da candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) para a prefeitura de São Paulo. Entretanto, ressaltou que o processo também foi muito “traumático” em diversos aspectos. O professor defendeu, ainda, que “é melhor insistir na união do campo do que ficar fracionado”, e que o que ocorreu na cidade paulista deveria acontecer em todos os lugares. 

O professor destacou, porém, que o cenário para as eleições no Senado ainda será de divisão dentro do campo progressista, mesmo diante de um processo eleitoral “muito complexo”. “Se dividir, não dá. A esquerda teria que ter um candidato em cada estado. E uma união enorme em torno desse candidato”, defendeu Cara. Para o professor, essa união deve acontecer principalmente nos estados do Sul e do Sudeste, onde a esquerda tem menos força. 

Cara reiterou que a disputa para o Senado será “muito central” porque é “onde estão as fichas da extrema direita”.  “Ainda é muito cedo para a gente fazer conjecturas, porque em Brasília e na política nacional é como as nuvens, né? Tudo pode mudar. Elas estão ali, depois elas deixam de estar ali, enfim”, afirmou o professor. 

Ele ainda destacou que a política é “muito dinâmica”, e que o cenário internacional pode transformar Lula em “imbatível” ou pode “atrapalhar de vez o governo”. “Então, a gente está prestes a enfrentar uma eleição que vai ser muito curiosa”.

Para Cara, há duas possibilidades: ser uma eleição complexa como de 1989 e 2018, ou já ter uma “polarização Lula contra extrema direita”. Ele ainda avaliou que há uma grande chance de a extrema direita se fracionar diante da ausência de Bolsonaro. “Vai ter que lançar muitos candidatos porque ela não vai conseguir controlar. O Bolsonaro é como Lula, ele acaba sendo o ponto gravitacional dos campos. O Lula é o ponto gravitacional da centro-esquerda e da esquerda, o Bolsonaro, da extrema direita e da direita. Então, o cenário é complexo, um jogo que está para ser jogado. O problema é que o nosso campo está jogando pouco nessa complexidade estratégica que é preciso ser avaliada”, ressaltou o professor.

Melhorias do governo Lula na Educação

Cara também falou sobre a atuação do governo Lula na área de Educação e citou os principais desafios. O primeiro deles é o fato de que hoje o setor não é “sistêmico” para o Brasil e para a economia brasileira.

Isso significa, de acordo com o professor, que como o Brasil é um país que se desindustrializa, ele começa a ter dificuldades educacionais “enormes”. Ele  mencionou o exemplo de que os países que vão bem no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), são países que estão vivendo o auge da industrialização.

“Quando as pessoas falam da Finlândia, elas se esquecem do fato de que a Finlândia vivia, no momento da década de 2000 a 2010, o seu melhor, sua melhor fase na história”, destacou. Naquela época, o país era o hub da Nokia, que era determinante e líder global no segmento de celulares e transmissão de dados. 

“No caso brasileiro, a educação não é sistêmica. Esse é o primeiro problema”, disse Cara. O segundo desafio se refere ao fato de o Brasil não ter demanda por expansão de matrículas, especialmente na educação superior. Nesse caso, o professor afirmou que o governo Lula tem errado ao tentar reverter esse cenário. 

“Ele [governo] está tentando gerir a política educacional de forma neoliberal. Então, ele faz essa ação de expansão de educação, que não dialoga com o projeto econômico, porque o projeto econômico precisa ser de reindustrialização”, analisou.

“Em segundo lugar, o governo Lula, quando se trata da expansão, acerta na educação superior, mas erra, por exemplo, em relação à estratégia de educação técnica profissionalizante de nível médio, em que ele está estimulando uma expansão que não é pelos IFs (Institutos Federais). E a expansão pelos IFs é a que é estratégica”, defendeu o professor.

Ao contrário disso, Lula tem feito uma expansão pelas redes estaduais do itinerário formativo, que tem sido ofertado com “péssima qualidade”, de acordo com Cara. “Então, o problema é de projeto e é de conversão entre o projeto econômico e o projeto educacional. Repito, os países que estão indo bem no mundo são aqueles que se industrializam avassaladoramente a cada ano”, disse. Ele citou, como exemplo, China, Japão, Vietnã e Singapura. 

FONTE: REVISTA FÓRUM