O Brasil está com o cenário macroeconômico considerado bom, mas ainda segue a cartilha fiscal rígida
Nos primeiros dias de setembro, além da seca intensa, Brasília recebeu duas notícias: o resultado do segundo trimestre do Produto Interno Bruto (PIB), que cresceu 1,4% no período, e a entrega do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) pelo Executivo ao Congresso Nacional. Qual a relação entre os fatos?
Começando pelo Ploa 2025, é preciso frisar que, se o PL pudesse acompanhar o ganho da arrecadação, isso representaria cerca de 7% acima da inflação, pois esse foi o ganho real em 2024. No entanto, a regra fiscal imposta pelo novo arcabouço restringe o crescimento das despesas a 2,5%, independentemente do ganho de arrecadação. As emendas parlamentares – que significam cerca de 25% das despesas não obrigatórias – também restringem a ampliação de gastos com investimentos. Não poder elevar os gastos, além de violar direitos – pois os déficits social e ambiental são imensos –, contribui para aumentar o racismo e o sexismo, uma vez que são as mulheres e as pessoas negras as mais afetadas.
O Brasil está com o cenário macroeconômico considerado bom, com inflação controlada, redução do desemprego, aumento da massa salarial e consequentemente da arrecadação da previdência. Mas o que deveria ser uma boa notícia, acabou virando um alerta contra uma alta da inflação, logo, um sinal vermelho para gastos públicos.
Mesmo diante das emergências climáticas e das enormes desigualdades geradas pelo modelo econômico neoliberal, a cartilha das políticas fiscais rígidas e dos juros altos continua sendo aplicada. Daí vem a relação com o Orçamento Público.
O Novo Arcabouço Fiscal (NAF), também chamado de Regime Fiscal Sustentável (RFS) (sic), em seu segundo ano de vigência, já revela seus limites na proposta orçamentária apresentada. Lembrando que o crescimento da arrecadação ficou em 7,8%. No entanto, o arcabouço fiscal só permite que seja incorporado à proposta 70% desse valor – que não pode exceder a 2,5%, ou seja, o crescimento real é de apenas 2,5% acima da inflação – em um cenário em que não faltam desafios.
É preciso atender às emergências climáticas, salvar a saúde pública – que precisa de investimentos pesados para além dos valores de custeio da política – ou atender às demandas da educação – que de acordo com os balanços avaliativos acerca do Plano Nacional de Educação (PNE) demonstram total falta de investimentos. Temos ainda o desafio de ampliar a política de saneamento, resolver o passivo da habitação, abandonada no governo anterior, além de outras ações que já deveriam ter iniciadas, como um maior aporte de recursos para mudar a política de transporte público nas cidades, maiores incentivos aos agricultores familiares, demarcação de terras quilombolas e indígenas, dentre outras políticas públicas necessárias.
Outro discurso que nos ronda é a necessidade de retirar os mínimos da saúde e da educação, além de desvincular as aposentadorias e pensões do Regime Geral da Previdência que excedam um salário mínimo, dos aumentos reais, dando reajustes diferenciados para benefícios acima do mínimo. Isso já foi feito antes e vimos as aposentadorias derreterem seu poder de compra.
Abaixo, seguem algumas das funções orçamentárias relacionadas às áreas com as quais o Inesc trabalha:
Recursos por função comparando PLOAs 2024 e 2025 (em R$)
Dados do Siop/Elaboração Inesc.
Conforme pode ser observado, duas funções, Urbanismo e Saneamento, viram seus orçamentos propostos diminuírem 13% e 40% respectivamente entre 2024 e 2025. Além disso, das demais funções mencionadas, apenas a educação e direitos da cidadania não ficaram aquém do reajuste proposto pelo arcabouço fiscal. As demais, sequer atingiram o reajuste de 6,73%, que seria o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de junho de 2023 a junho de 2024, 4,23%, somados ao aumento das receitas que foi de 7,8%. No entanto, há um redutor dizendo que esse aumento real só poderá ser aplicado ao orçamento até o limite de 2,5%, reduzindo o reajuste do PLOA a 6,73%.
Isso é reflexo da regra fiscal rígida, que tenta acomodar várias políticas em um cobertor intencionalmente pequeno para aqueles com menores rendas, mais vulnerabilizados, mais negros, mais femininos, mais periféricos. A economia neoliberal sendo aplicada na prática por um governo que a extrema direita chama de comunista.
A pressão de setores da população e da economia que defendem privilégios aos já privilegiados também operam para que a propaganda contra direitos seja afetiva. Até mesmo quando dizem que regras fiscais rígidas são necessárias, além de redução de carga tributária, pois faz parte do combo dizer que pagamos a maior carga de impostos do mundo. Então, assim como tentam fazer com que as despesas sejam mais regressivas, resguardando a maior parte do quinhão para as parcelas privilegiadas da população, passam a mensagem de que somos todos iguais na hora de pagar impostos e a carga tributária recai de maneira uniforme para todas as pessoas, quando a grita geral é para não taxar pessoas ricas e muito ricas, com rendas e heranças não tributadas.
*Cleo Manhas é assessora política do Inesc.
**Este é um artigo de opinião e não representa necessariamente a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires
Fonte: Brasil de Fato