O fim da greve dos professores, por Luis Felipe Miguel

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Reinvindicações não foram atendidas, mas greve tirou governo de sua zona de conforto, mostrando potencialidades e limites do governo.

Os professores das universidades e institutos federais encerraram a greve que já durava dois meses. Na UnB, assim como na maioria das outras instituições, as aulas serão retomadas a partir de amanhã.

Os servidores técnico-administrativos dos institutos federais também estão voltando ao trabalho. Os das universidades estão avaliando.

Não conseguimos mais do que vitórias parciais. O governo foi irredutível na sua decisão de conceder reajuste zero em 2024. Mas antecipamos em alguns meses e ampliamos o percentual prometido para o ano que vem. Foi anunciada uma recomposição do orçamento do ensino superior, embora bem insuficiente. Algumas portarias do período Temer-Bolsonaro, que prejudicavam as progressões funcionais, foram revogadas.

É menos mal do que estava, mas ainda assim a perspectiva é encerrar o mandato de Lula sem compensar, nem de perto, as perdas salariais e orçamentárias acumuladas desde o início do segundo mandato de Dilma.

Creio que a greve deixou uma grande lição: temos o incomodar de desgastar o governo. Ao longo da paralisação, ele encerrou várias vezes, de forma unilateral, as negociações. O ex-sindicalista Feijóo, secretário de Relações de Trabalho do Ministério da Gestão, esmerou-se para exibir truculência no trato com os representantes sindicais. Chegaram a assinar um “acordo” com a pelegada do Proifes, carente de qualquer legitimidade, na tentativa de desmoralizar o movimento.

A cada vez, tiveram que recuar e voltar à mesa de negociação.

E quando tentaram encerrar a greve com o anúncio faraônico de novos campi e verbas para obras (na verdade, 95% só maquiagem), saiu pela culatra: foram unânimes as críticas ao caráter improvisado (e desconectado das necessidades das instituições) do que se prometia.

Parece que, para um governo que se elegeu com um discurso como o de Lula, não é tão fácil jogar a educação no saco.

Há colegas que denunciam, neste processo, a volta de um “antipetismo” da esquerda.

Não vejo assim. Para começar, não vejo “petismo” como um atributo definidor da esquerda.

O que me define como esquerda é um horizonte anticapitalista, a luta contra as diferentes formas de exploração, opressão e alienação presentes na sociedade, o projeto de uma sociedade mais igualitária, mais livre e menos violenta. Quanto ao PT, que é sem dúvida hoje a principal força partidária do campo democrático no Brasil, espero que ele se comprometa mais – e não menos – com esses valores.

Muitos petistas, aliás, pensam dessa mesma forma.

Lula se elegeu e governa em circunstâncias muito desafiadoras. Mas parece operar sempre no modo “concessão” a uma direita que não pára de pressionar, com todos os recursos de que dispõe.

Fernando Haddad, ministro mais importante e possível delfim, parece pronto a agir como perfeito representante da ortodoxia mercadista. Que os aposentados, a saúde e a educação sejam sacrificados no altar do “arcabouço fiscal”.

Burguesia, Centrão, igrejas, mídia, todos pressionam o governo sem parar. E nosso papel, como esquerda, deve ser aplaudir cada recuo, dizer “é isso mesmo”?

O caso do PL 1904 (contra as meninas, a favor do estupro) serve de exemplo. O governo estava calado, disposto a deixá-lo passar, certo de que era caso perdido. A mobilização feminista virou o jogo – e o próprio governo saiu de sua postura covarde e passiva.

Pressionar o governo para que adote políticas mais à esquerda não é enfraquecê-lo. Pelo contrário. A história nos mostra que governos progressistas incapazes de produzir políticas que beneficiam a maioria da população só esquentam a cadeira para uma direita ainda mais extremada.

Em tempo: Lula se elegeu falando de proteção ao meio ambiente e estímulo à ciência. Mas o Ibama está parado e os servidores do CNPq entraram em estado de greve.

Valorização, por enquanto, é coisa só para os golpistas da Polícia Rodoviária Federal.

Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).

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FONTE: JORNAL GGN