Reinvindicações não foram atendidas, mas greve tirou governo de sua zona de conforto, mostrando potencialidades e limites do governo.
Os professores das universidades e institutos federais encerraram a greve que já durava dois meses. Na UnB, assim como na maioria das outras instituições, as aulas serão retomadas a partir de amanhã.
Os servidores técnico-administrativos dos institutos federais também estão voltando ao trabalho. Os das universidades estão avaliando.
Não conseguimos mais do que vitórias parciais. O governo foi irredutível na sua decisão de conceder reajuste zero em 2024. Mas antecipamos em alguns meses e ampliamos o percentual prometido para o ano que vem. Foi anunciada uma recomposição do orçamento do ensino superior, embora bem insuficiente. Algumas portarias do período Temer-Bolsonaro, que prejudicavam as progressões funcionais, foram revogadas.
É menos mal do que estava, mas ainda assim a perspectiva é encerrar o mandato de Lula sem compensar, nem de perto, as perdas salariais e orçamentárias acumuladas desde o início do segundo mandato de Dilma.
Creio que a greve deixou uma grande lição: temos o incomodar de desgastar o governo. Ao longo da paralisação, ele encerrou várias vezes, de forma unilateral, as negociações. O ex-sindicalista Feijóo, secretário de Relações de Trabalho do Ministério da Gestão, esmerou-se para exibir truculência no trato com os representantes sindicais. Chegaram a assinar um “acordo” com a pelegada do Proifes, carente de qualquer legitimidade, na tentativa de desmoralizar o movimento.
A cada vez, tiveram que recuar e voltar à mesa de negociação.
E quando tentaram encerrar a greve com o anúncio faraônico de novos campi e verbas para obras (na verdade, 95% só maquiagem), saiu pela culatra: foram unânimes as críticas ao caráter improvisado (e desconectado das necessidades das instituições) do que se prometia.
Parece que, para um governo que se elegeu com um discurso como o de Lula, não é tão fácil jogar a educação no saco.
Há colegas que denunciam, neste processo, a volta de um “antipetismo” da esquerda.
Não vejo assim. Para começar, não vejo “petismo” como um atributo definidor da esquerda.
O que me define como esquerda é um horizonte anticapitalista, a luta contra as diferentes formas de exploração, opressão e alienação presentes na sociedade, o projeto de uma sociedade mais igualitária, mais livre e menos violenta. Quanto ao PT, que é sem dúvida hoje a principal força partidária do campo democrático no Brasil, espero que ele se comprometa mais – e não menos – com esses valores.
Muitos petistas, aliás, pensam dessa mesma forma.
Lula se elegeu e governa em circunstâncias muito desafiadoras. Mas parece operar sempre no modo “concessão” a uma direita que não pára de pressionar, com todos os recursos de que dispõe.
Fernando Haddad, ministro mais importante e possível delfim, parece pronto a agir como perfeito representante da ortodoxia mercadista. Que os aposentados, a saúde e a educação sejam sacrificados no altar do “arcabouço fiscal”.
Burguesia, Centrão, igrejas, mídia, todos pressionam o governo sem parar. E nosso papel, como esquerda, deve ser aplaudir cada recuo, dizer “é isso mesmo”?
O caso do PL 1904 (contra as meninas, a favor do estupro) serve de exemplo. O governo estava calado, disposto a deixá-lo passar, certo de que era caso perdido. A mobilização feminista virou o jogo – e o próprio governo saiu de sua postura covarde e passiva.
Pressionar o governo para que adote políticas mais à esquerda não é enfraquecê-lo. Pelo contrário. A história nos mostra que governos progressistas incapazes de produzir políticas que beneficiam a maioria da população só esquentam a cadeira para uma direita ainda mais extremada.
Em tempo: Lula se elegeu falando de proteção ao meio ambiente e estímulo à ciência. Mas o Ibama está parado e os servidores do CNPq entraram em estado de greve.
Valorização, por enquanto, é coisa só para os golpistas da Polícia Rodoviária Federal.
Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).
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FONTE: JORNAL GGN