Daniel Cara ressalta ainda que ensino por aplicativos é uma forma de cercear o trabalho dos professores e descumprem a Constituição
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), leiloou na última segunda-feira (4) o segundo lote da Parceria Público-Privada (PPP) Novas Escolas, que privatiza a construção e gestão de unidades de ensino no interior do estado.
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, convidado do programa TVGGN 20H da última quarta-feira (6), as intenções do governador republicano vão muito além da entrega das escolas para a iniciativa privada, mas sim em introduzir um processo de privatização mais amplo.
“De maneira contrária ao artigo 213 da Constituição Federal, vai resultar efetivamente na privatização da oferta de educação no Ensino Fundamental e Ensino Médio, que é o grande objetivo tanto do Tarcísio quanto do Romeu Zema [governador de Minas Gerais] e quanto o de vários governos estaduais e prefeituras”, garante o docente.
O projeto de privatizar o ensino, no entanto, não é novo. Desde 2021, a partir do projeto de lei 521, da Cris Monteiro, vereadora do Partido Novo na capital paulista, a ideia é equiparar o modelo de participação da iniciativa privada no ensino público como já está em prática no governo Zema, também filiado ao Novo.
“O problema concreto, em termos pedagógicos e de projeto educacional, é que a organização do espaço é necessariamente um atributo pedagógico. Ele precisa ser realizado de forma pedagógica. E, na prática, isso é concretamente uma introdução para estratégias de privatização da própria oferta do ensino”, continua Cara.
Conforme a justificativa de Tarcísio, a privatização da gestão e construção de escolas é uma forma de facilitar as atribuições do diretor, que deixa de se preocupar com questões sobre licitação, por exemplo, para que ele possa se dedicar mais às questões pedagógicas.
Mas, segundo o entrevistado, a visão do governador paulista é apenas demagógica. “Essas questões administrativas são relevantes para, de fato, construir o processo pedagógico. Inclusive, elas têm de ser geridas de maneira democrática, discutidas pelo conselho de escola.”
Cerco
Além de criar novos mecanismos para privatizar as escolas públicas, o governo de São Paulo implantou ainda aplicativos para auxiliar o trabalho dos docentes e a aprendizagem dos alunos. Mas, na prática, nada mais são que um cerco, pois em termos pedagógicos, segundo o entrevistado, acrescentam muito pouco ao ensino.
“É controle do trabalho do professor. Agora o cerco vai se fechando. A minha impressão é que a política educacional, como todas as políticas sociais, estão vivendo numa situação em que o cerco vai se fechando. É como se nós estivéssemos naquela situação de filmes, em que o heroi está sendo espremido por duas paredes que buscam estrangulá-lo”, continua o entrevistado.
Cara explica que as plataformas estão pautadas pela Base Nacional Comum Curricular, mas que ao determinar o que tem de ser ensinado e estabelecer o método de análise do aprendizado, contraria o artigo 205 da Constituição Federal, que preconiza que a educação educação tem como missão o pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício da cidadania, qualificação para o trabalho.
“A Base Nacional Comum Curricular não cumpre com esses três fatores.[…] Na prática, ela falha na formação humana, numa formação efetivamente emancipadora. Então ela não cumpre com o direito à educação. Mas o problema maior é que, quando você estabelece o currículo e o método de avaliação do currículo,da implementação do currículo, você cria, você facilita a regulação de um novo mercado. E a regulação desse mercado basicamente são as plataformas que controlam o plano de aula, a execução do trabalho pedagógico do professor e o resultado do trabalho do professor, e, ao mesmo tempo, controlam a frequência dos alunos e dos professores.”
Confira a entrevista na íntegra na TVGGN:
Fonte: Jornal GGN