Governo Lula e os desafios para erradicar as desigualdades sociais, por Michel Aires

Os problemas mais graves que enfrentamos hoje, nos grandes centros urbanos, são a fome, a miséria e as desigualdades sociais.

Segundo um estudo feito pelo World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais) o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. A desigualdade social se caracteriza pelas diferenças econômicas e pelos padrões de vida, assim como pelas diferenças de acesso a direitos, bens e serviços entre os indivíduos. O estudo foi dirigido pelo famoso economista francês Thomas Piketty, que escreveu um dos maiores best sellers sobre a economia em nossa atualidade: “O capital no século XXI”. Segundo seu estudo, os 10% mais ricos no Brasil ficam com mais da metade da renda nacional, ou seja, 58,6% da renda total. O Chile tem uma distribuição de renda parecida, lá os 10% mais ricos ficam com 58,9% da renda. Contudo, há também uma grande desigualdade nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, os 10% mais ricos ficam com 45% da renda total do país. Na China, o índice é de 42%. Por sua vez, na Europa há uma taxa menor, mas persiste a desigualdade, a média é entre 30% e 35% (Fernandes, 2021). É por causa dessas grandes diferenças de renda entre ricos e pobres, em todo o mundo, que a ONU (Organização das Nações Unidas) colocou como um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS 10) a redução das desigualdades. Essa meta tem como finalidade alcançar, até 2030, o empoderamento e a promoção da inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião ou condição econômica.

Outra meta importante do desenvolvimento sustentável (ODS11) é o de tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros e sustentáveis, garantindo a todos moradias decentes e adequadas. Para cumprir essa meta será necessário garantir à população habitações seguras, dignas e acessíveis, com infraestrutura básica e urbanizada, com atenção especial para os grupos mais vulneráveis.  Os problemas urbanos têm se agravado desde a década de 1980, com o advento das políticas neoliberais. Com o fim do Estado de bem-estar social, os indivíduos perderam a proteção do Estado. Houve uma maior precarização dos serviços públicos e do mercado de trabalho: “O poder Público deixou de ser a principal provedor do bem-estar-social, de infraestrutura e dos serviços públicos, o regulador do espaço urbano, deixou também de investir prioritariamente nas camadas populares a fim de atender as demandas sociais locais e a assumir um papel empreendedor” (Alves; Barndenburg, 2018, p. 56). Com as políticas neoliberais, se valorizou mais a economia e o mercado em detrimento dos indivíduos. A iniciativa privada começo a assumir o papel do Estado como provedor das demandas sociais. Os interesses do capital se sobrepôs aos interesses coletivos.  O resultado disso, nós já sabemos, foi o aumento da fome, da miséria, do desemprego, da violência e da criminalidade.  Para o economista Bresser-Pereira (2020), o neoliberalismo é uma forma de capitalismo agressivo, desestabilizante e desestruturante, deixando as pessoas inseguras, insatisfeitas e ansiosas. Nesse sentido, a crise atual que vivemos no Brasil não é política, mas é uma crise de natureza econômica e social. Não são as instituições democráticas que falharam, mas é o modelo econômico neoliberal que falhou. 

O Brasil fechou o ano de 2022 com cerca de trinta e três milhões de pessoas passando fome, que moram em condições precárias, com baixos níveis de saúde, educação e saneamento básico.  Os problemas mais graves que enfrentamos hoje, nos grandes centros urbanos, são a fome, a miséria e as desigualdades sociais.  São esses problemas que se tornaram uma barreira para termos cidades mais inclusivas e sustentáveis. Para cumprir as metas da ONU, será necessário, antes de tudo, acabar com os assentamentos precários e a miséria. Torna-se um desafio alcançar o acesso à habitação segura e os serviços públicos de qualidade. Segundo uma pesquisa feita em 2022 pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Brasil tem 11.403 favelas, onde habitam 16 milhões de pessoas, com aproximadamente 6,6 milhões de domicílios. A maior favela do Brasil é a Sol Nascente, que por ironia fica na capital política do país, em Brasília, com aproximadamente 87.184 habitantes. A segunda é a famosa Rocinha, no Rio de Janeiro, com 67.199 moradores. A terceira é a Cidade de Deus, que fica em Manaus, com 55.361 moradores. As populações que moram nessas comunidades são as que mais são afetadas pelas políticas neoliberais. O desemprego, a pobreza, a inflação alta, a poluição, a insegurança e a falta de saneamento básico são condições comuns a esses moradores.

O governo Lula tem grandes desafios pela frente, mas o balanço já é positivo. Nesse ano de 2023, houve a retomada e a consolidação de 75 programas que beneficiam a população e colaboram para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da ONU. Algum desses programas já são bem conhecido do público e marcas consolidadas do governo petista:  O Bolsa Família, o Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida, o Novo Pac, o Brasil Sorridente, o Bolsa Atleta, o Brasil sem Fome, o Luz para Todos. Além desses programas, também foram retomados as políticas de investimentos em cultura, a preservação do meio ambiente, as políticas afirmativas de igualdade racial, a política de valorização do salário-mínimo e a educação em tempo integral. Todas essas políticas colaboram para reduzir as desigualdades sociais, acabar com a fome e erradicar a pobreza, contribuindo para o avanço da Agenda 2030 da ONU.

Lula disse em seu discurso de abertura da 78ª Assembleia Geral da ONU, que a Agenda 2030 é a mais ampla e mais ambiciosa ação coletiva, voltada para o desenvolvimento e a sustentabilidade. Contudo, as metas a serem alcançadas podem se tornar um grande fracasso. Para ele, estamos na metade do período de implantação, mas ainda muito longe de cumprir os objetivos decididos. A maior parte das metas caminha em ritmo lento. Em suas palavras: “O imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado. Nesses sete anos que nos resta, a redução da desigualdade dentro dos países e entre eles deveria se tornar objetivo síntese da Agenda 2030. Reduzir as desigualdades dentro dos países reque incluir os pobres nos orçamentos nacionais e fazer os ricos pagarem impostos proporcionais ao seu patrimônio”. Ele disse ainda que o Brasil está comprometido em cumprir todas as 17 metas. Também afirmou que o Brasil elaborou uma ´decima oitava meta, cujo objetivo é alcançar a igualdade racial.

Em seu discurso, Lula deixou bem claro que sua grande ambição é erradicar a fome e a miséria no país. Para isso, lançou uma série de iniciativas através do plano Brasil sem Fome, para reduzir a pobreza e a insegurança alimentar. Citou o seu mais famoso programa, que se tornou referência mundial: o Bolsa Família. Também mencionou a lei que tornou obrigatória a igualdade salarial entre homens e mulheres. Responsabilizou as políticas neoliberais por agravar as desigualdades econômicas e políticas, que hoje assolam as democracias pelo mundo. O grande legado dessas políticas, disse ele, “é uma massa de deserdados e excluídos”. Também afirmou que dos escombros causados pelas políticas neoliberais, surgiram os aventureiros de extrema-direita, que negam a política e vendem soluções fáceis para os problemas que enfrentam as democracias, aprofundando cada vez mais a fome, a miséria e as desigualdades sociais.

O discurso de Lula tocou na ferida purulenta que hoje é responsável pela fome, miséria, desemprego, violência e a desigualdade: as políticas neoliberais. Se os países não estão conseguindo cumprir as metas do desenvolvimento sustentável, é porque as políticas predatórias neoliberais têm devastado as economias pelo mundo. Como afirma Bresser-Pereira (2014. p. 96): “[…] desde os anos de 1980 houve um grande aumento do risco econômico – crises financeiras, flexibilização e precarização do trabalho, desemprego, perda de segurança diante da doença e da velhice. A multiplicação das crises financeiras foi fruto da desregulação neoliberal”. As políticas neoliberais precarizaram o trabalho, destroem as leis trabalhistas, acabam com o Estado de bem-estar social, concentraram renda, produzem grandes desigualdades e substituem o poder político pelo poder das grandes corporações. O resultado disso é o enfraquecimento da democracia e a impossibilidade do planeta terra se desenvolver e evoluir de forma sustentável. 

Referências

ALVES, Alceli Ribeiro; BRANDENBURG, Elena Justen. Cidades Educadoras: um olhar acerca da cidade que educa. Curitiba: Editora Intersaberes, 2018.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A democracia não está morrendo: foi o neoliberalismo que fracassou. Lua Nova, São Paulo, nº 111, p. 51-79, 2020.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Modernidade neoliberal. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 29, nº 84, p. 87-102, 2014.

FERNANDES, Daniela. 4 dados que mostram por que Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, segundo relatório. BBC News Brasil, 7.12.2021 Disponível em < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59557761>


Michel Aires de Souza Dias – Doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP).

FONTE: JORNAL GGN